Opinião

“O jornalismo isento não existe”, por Ricardo Esteves Ribeiro

Passava os olhos pelo feed da minha conta de Facebook há um par de dias quando leio a publicação de um colega jornalista, que dizia algo como que “todo o jornalismo que produzia era isento”. Estranho. Isenção, diz o dicionário da Priberam numa das suas entradas, significa “imparcialidade, desinteresse”. Nenhum jornalista é isento, imparcial, desinteressado. É, aliás, impossível que assim seja. Jornalistas escolhem que temas abordar, que pessoas ouvir, o que escrever, como escrever. Jornalistas são atores políticos. Jornalistas têm a sua visão do mundo, as suas ideologias políticas, as suas vivências – são, por definição, interessados.

Perguntavam-me esta semana, em entrevista, se o jornalismo do Fumaça tinha uma agenda política. Se era político, se o assumíamos como tal. O jornalismo é um ato político que tem uma agenda: a de escrutinar a democracia – questionar as decisões políticas de representantes, responsabilizando-os, e dar voz aos representados.

O que deve o público exigir dos e das jornalistas não é a isenção, a imparcialidade e a objetividade. É a transparência. Que se apresentem, que digam quem são e expliquem de onde vêm.

Esta semana lançamos uma reportagem gravada em Chelas, no Bairro do Condado, Zona J. O Carlos “MC Bambam” e o Sandro Santos guiaram-nos a pé pelo bairro até ao Bataclan 1950, o sítio onde conversam, ouvem música, escrevem letras para os seus raps. A conversa que tivemos foi profunda: sobre discriminação, racismo, sobre a violência e brutalidade policiais por que já sofreram, e também sobre o preconceito que quem não conhece a Zona J tem em relação a eles. O Sandro dizia-me: “Porque é que temos dificuldades na escola? Porque as pessoas estão baseadas em jornais”, e daí vem a discriminação – quem é do bairro, fica de fora.

A maior parte dos jornais e jornalistas apresentam Chelas como um antro de criminalidade, violência e ilegalidades. É isso que ouvimos no telejornal, na rádio: tiroteios, perseguições de última hora, agressões. São essas as notícias que fazem manchete, mas são poucos os que procuram conhecer quem lá vive e dar voz a outra perspetiva, a outro lado.

Isso é um ato político.

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