opinião

“A imprensa precisa de mais tempo para ser mais livre”, por Ricardo Esteves Ribeiro

Este é um ano perigoso para se ser jornalista. Segundo o Comité para a Proteção de Jornalistas (CPJ), já 26 jornalistas foram mortos ou mortas enquanto trabalhavam. Mais de metade, ao dia de hoje, dos que morreram em 2017 (46) e em 2016 (48). Nos últimos 10 anos, foram assassinados 600 jornalistas e milhares foram perseguidos. Por dizer a verdade, por contar uma história, por escrutinar quem tem poder.

Julian Assange, jornalista australiano e fundador da Wikileaks, exilado na embaixada do Equador em Londres, desde 2012, sem poder pisar o lado de fora por temer que, no minuto em que isso aconteça, seja detido e extraditado para os Estados Unidos da América (EUA), onde será julgado – e talvez torturado, como aconteceu com Chelsea Manning, uma das denunciantes que trabalhou com o Wikileaks. Em 2010, publicou uma série de documentos secretos que denunciavam os abusos militares dos EUA durante as guerras do Iraque e Afeganistão. War Diaries e The Iraq War Logs foram dos maiores leaks da história e revelaram atrocidades antes desconhecidas e um número de mortes civis durante as guerras muito superior ao que oficialmente era admitido.

Glenn Grennwald, jornalista americano e fundador do The Intercept, revelou, em 2013, com Laura Poitras e utilizando documentos confidenciais libertados por Edward Snowden, como a Agência de Segurança Nacional (NSA) utilizava mecanismos secretos para espiar e vigiar milhões de pessoas, através das suas chamadas telefónicas. Glenn, vive hoje no Brasil e tem-se restringido a voltar ao Reino Unido, onde trabalhava no The Guardian, e aos Estados Unidos, onde nasceu. Em 2013, disse em entrevista ao CPJ: “Foi-me dito por praticamente toda a gente a quem perguntei, incluindo advogados do The Guardian, o meu advogado pessoal, advogados em quem confio, pessoas políticas (…) que não seria uma boa decisão viajar para os Estados Unidos agora, porque a probabilidade de ser preso era algo mais do que trivial”. Ao The Guardian, uns meses depois, confessou: “Não confio que eles [autoridades britânicas] não me detenham, interroguem ou me prendam. O comportamento deles tem sido extremamente ofensivo”, depois do seu companheiro, David Miranda, brasileiro, ter sido detido durante nove horas no aeroporto de Heathrow, em Londres, por alegadamente ter documentos secretos na sua posse (o que não se confirmou).

Há muitos outros casos:

Domingos da Cruz e Sedrick de Carvalho, jornalistas angolanos, presos em 2015, juntamente com mais 15 ativistas, durante um ano, enquanto liam e discutiam um livro, acusados de crimes de atos preparatórios de rebelião.

Daphne Caruana Galizia, jornalista maltesa, morta em Outubro de 2017, quando uma bomba fez explodir o seu carro. Daphne investigava casos de corrupção que envolviam políticos ligados aos Panamá Papers.

Yasser Murtaja, jornalista palestiniano, assassinado em abril, durante uma marcha não violenta que levou milhares de palestinianos até à fronteira da faixa de Gaza com Israel. Yasser encontrava-se no local do protesto vestindo um colete azul claramente marcado com a palavra “PRESS” (imprensa, em português). Foi morto por um sniper (um atirador especial, que utiliza armas de alta precisão) do exército israelita, com um tiro no abdómen.

Hoje, dia 3 de Maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, importa dar-lhes visibilidade. Mas não só de prisões, de mortes e de perseguições se faz a falta de liberdade de imprensa. Faz-se de tempo. Ou da falta dele. Para fazer jornalismo é preciso tempo para investigar, para aprender, para pensar, para falhar e voltar a fazer, para discutir. São poucos os jornalistas que podem dar-se ao luxo de fazer tal coisa e que não têm a pressão de ter de lançar um número de peças semanais ou diárias.

O jornalismo que se enquadra numa lógica de mercado não consegue lidar com a incerteza de não saber se uma peça será um sucesso de cliques. O jornalismo que tem como fim o lucro procurará sempre a maneira mais fácil de alcançá-lo e, hoje, na era da digitalização, o clique é mais importante do que tudo o resto.

Em Junho de 2016, a revista Mother Jones publicou uma grande peça. “Grande, ou seja, XXL”, como explicam Monika Bauerlein and Clara Jeffery, editoras: “com 35,000 palavras, ou 5 ou 10 vezes maior do que uma peça normal, mais gráficos, tabelas e peças complementares, para não mencionar seis vídeos e um áudio-documentário

Shane Bauer, jornalista da Mother Jones, esteve quatro meses infiltrado numa prisão privada nos Estados Unidos, trabalhando como guarda prisional. Viu de tudo. No fim, e passados 18 meses desde o início da investigação, publicou o seu trabalho, o que levou o Departamento de Justiça do anterior executivo americano a anunciar planos para reduzir o número prisões privadas contratadas, dados os abusos denunciados na reportagem.

Estar 18 meses a preparar uma peça, como Shane fez, significa ter condições para viver, sem precariedade, e com a segurança de que não estará por si só, desempregado, enquanto faz o seu trabalho.

Histórias desta complexidade, que mostram pedaços da nossa sociedade, da vida de realidades com as quais não nos cruzamos quotidianamente, serão cada vez mais raras caso o paradigma dos órgãos de comunicação social não mude. São demasiado caras e demoradas para se submeterem a uma lógica de lucro pura e simples. Têm um interesse público, são importantes para a sociedade, para nos percebermos. Mas só existirão com o contributo de quem as quer ler, ouvir, ou ver, e de quem as acha fundamentais em Democracia. Além da Lei, é também o apoio financeiro regular das pessoas comuns, que pode ajudar a garantir a liberdade de imprensa.

E não é só com partilhas ou gostos nas redes sociais. É com apoio concreto, seja através contribuições pontuais, ou mensais (podes contribuir para o É Apenas Fumaça, aqui. Porque o compromisso com o bom jornalismo, é uma dança que só tem futuro se se dançar a dois: leitores e jornalistas.

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